Cerrado,
ser fechado, vedado, compacto. Talvez por isso exista um preconceito com esse
bioma de mesmo nome. E, convenhamos, à primeira vista, não parece tão bonito
assim. Árvores tortas, esquisitas, aparentemente um local com pouca biodiversidade,
sem graça, tudo simples, sem estar em evidência. Acontece que esse bioma é um
dos mais ricos do planeta, inclusive em biodiversidades, e, infelizmente, vem
sendo denegrido pela sociedade, pela classe política, bem como pelos
ruralistas.
E
é dentro desse bioma que existe o cerratóide, grupo de heróis nunca antes
revelado, e que luta para evitar a destruição desse imenso território. Eles são
escolhidos a dedo e se subordinam a um chefe desconhecido por todos, e que dá
ordens via rádio. Este, cansado de ver tanta destruição causada por um tal de HOMO SAPIENS, que de sabido só tem o
nome mesmo, resolveu agir e começou a procurar seguidores que vivem nesse
local. Não foi difícil encontrá-los, pois todos os animais do cerrado estão
vendo a necessidade de mudanças, e pensam como o grande chefe.
Seu presidente se chama LEOPARDO PARDALIS, mais conhecido como jaguatirica. Essa associação
tem muitos adeptos, como o descendente de japonês TAYASSI PECARI, mais conhecido como porco-do-mato, por seus modos
um pouco maus educados (mas é gente boa). Tem a Paulicéia, cujo nome popular é
Tia Jaú. Tem o soldadinho, e alguns nomes um pouco estranhos, como o HOPLUS MALABARISCUS, que ninguém confia
muito, mas ainda o tem por amigo. Pelos bastidores o chamam de traíra.
Pois bem, cada um desses, e muitos outros não citados,
tem uma atividade específica, cuidar de algum lugar, evitando sua total
destruição, mas servindo ainda para que o monstro SAPIENS utilize a área do cerrado adequadamente. Por exemplo, o LEOPARDUS cuida da terra, juntamente com
o Pecari e outros. O traíra e sua trupe cuidarão das questões da água, assim
como a Maria Ferrugem e outros cuidarão da questão do ar.
O
método de atuação deles é utilizar a sustentabilidade, uma palavra
aparentemente simples, sendo na verdade bem complexa. Ela é a arte de se
praticar a atividade de sustento e de suporte, sempre usando dos meios
existentes de modo a não causar danos extremos ao meio ambiente. Em outras
palavras, é buscar utilizar um espaço da forma menos danosa possível a tudo e a
todos.
Houve
contato com muitos dos SAPIENS, mas
de modo idêntico ao contato do chefe dos cerratóides com seus subordinados.
Parece que tem dado certo, pois a cada dia alguns dos monstros se unem e criam
a associação deles, cujo nome é ONG. Mas existem ainda alguns dos SAPIENS que insistem em permanecerem
despreocupados. Querem apenas usar da terra e retirar tudo e todos dali. Alguns
animais andam até com raiva da tal da soja, que parece querer reinar sozinha.
Feitas
as apresentações, os animais da terra estão se articulando da seguinte forma:
no contato com os SAPIENS, os mais
dóceis foram escolhidos para buscar uma forma de lidar com o aproveitamento da
terra. Foram mostradas técnicas de agricultura solidária, com rotação de
culturas, plantio direto, sem necessidade de arar a terra etc.
Mas
a principal prioridade do grupo terrestre, e com a ajuda das tais ONGs, é fazer
com que as condições de vida dos Sapiens mais pobres (e para entender o que é
pobreza foi difícil para os cerratóides, porque nessa sociedade desenvolvida
não existe isso) sejam superadas, para que aí sim a preocupação ambiental seja
pensada por eles. As ONGs explicaram que essa é a questão fundamental,
juntamente com a educação, para que os anseios cerratoidianos sejam realizados.
Entendida
essa situação da pobreza, partiu-se para a discussão acerca do uso de
agrotóxicos. Pra variar, foi complicado para os cerratóides entenderem o que
vem a ser isso. As Ongs explicaram que é um produto químico utilizado para
“proteção” ou tratamento de culturas e criações em agropecuária. Alguns acharam
até que seria um remédio, e que, estando eles doentes, quiseram tomar, mas, foi
dito que é algo muito perigoso.
Ninguém
conseguiu entender muito, mas foi apreendido, ao menos, que o uso
indiscriminado desses produtos é muito prejudicial ao solo, e testes foram
feitos para que fosse visto seu poder destrutivo. A luta então é para o uso de
produtos menos tóxicos ao solo e às plantas, e que possibilite até que alguns
animais circulem sobre a plantação, pois, desse modo, garante-se a renovação da
vida.
Com
relação à atuação do traíra e seus amigos, foi necessário discutir a questão do
uso da água pela agricultura. Ora, sabe-se que pouco mais de 70% da utilização
é feita por ela, e em muitos casos ocorrem de modo totalmente criminoso. Bastou
aos amigos apresentarem a situação do rio Araguaia, por exemplo, para que os
Sapiens das Ongs percebessem a situação. A verdade é que a água do cerrado está
acabando por causa dessa agricultura criminosa, que privilegia a monocultura,
principalmente da soja, e retira milhões de litros por dia para a rega.
Os
bons Sapiens alertaram ainda aos cerratóides que as informações são passadas
erroneamente a todos, e quando as são, estão equivocadas. Os reis da danada da
soja e até mesmo os meios de comunicação e os governos passam a ideia de que as
cidades e seus habitantes é que devem cuidar da água, e evitar desperdícios, e
nem sequer citam os verdadeiros gastadores.
O papel dos cerratóides é, então, desmistificar isso, e cobrar de quem
consome mais uma atitude ecológica e sustentável.
Pelos
ares, a situação está também complicada. As aves protetoras tentam descobrir o
motivo da falta de chuvas no cerrado nos últimos anos. Precisaram voar bastante
para descobrir que uma das causas está em outro bioma, o amazônico. Viram com
seus próprios olhos a destruição da floresta, e quando foram procurar os
famosos rios voadores, encontraram poucos, e mais secos. Assim, descobriu-se
que não basta a proteção do terreno deles, que já foi destruído em quase
metade, mas também a da Amazônia e de outros biomas. O papel das aves então é
mais complexo, pois visa alertar os Sapiens da proteção de dois biomas pelo
menos. Se cuidar de um está difícil, avalia de dois ou até três.
Uma
atitude proposta pelos cerratóides foi a valorização do cerrado como um lugar
turístico. E o lema deles é “conhecer para proteger”. Ou seja, querem que os
Sapiens visitem o cerrado, e, ao gostarem, comecem a querer preservá-lo. Ainda
há muitos mistérios a serem desvendados nesse lugar tão belo, e só
conhecendo-os é que torna possível seu uso racional.
Ou seja, os cerratóides
precisam urgentemente de um planejamento e de apoio dos Sapiens. E a única
coisa pedida pelos bons destes é que não desistam da luta, que é difícil,
incerta, mas frutificante sempre. Viva os cerratóides!