terça-feira, 5 de novembro de 2019

É duro ser ético

Nunca pensei em dizer isto, mas é duro ser ético neste país. Parece até que os papéis se inverteram, e quando alguém faz algo ético que, pasmem, deveria ser dado como normal, parece até que essa pessoa é uma estranha aos olhos dos outros.
No seriado A Grande Família, por anos achava Lineu um cara chato, justamente porque ele era certinho. Tudo bem, minha mentalidade não estava ainda bem desenvolvida (por isso até entendo quem acha estranho ser certo/ético), mas com o tempo passei a admirá-lo. No meio de tanta falcatrua, jeitinho brasileiro pra cá e pra lá, subornos acolá, lá estava Lineu para manter a dignidade ainda operante no Brasil.
Inspirado talvez nele, e também em outras pessoas, (meu pai até), tento levar a ética a tudo o que faço. E não é fácil! No mercado devolvo troco errado, já mandei um açougueiro pesar a carne de novo (ele errou feio na pesagem) e fui criticado por isso; e busco sempre o lado ético na minha profissão. Sou criticado e até perco cliente porque, no calor de sua emoção, já chateado com o lado oposto, me pede para falar ou fazer algo que a meu ver não é correto para com a outra parte, e sou criticado.
Há ainda a questão da meia entrada em Brasília. Tornou-se tradição aqui cobrar valores absurdos na inteira, de forma que nos teatros e nos cinemas só quem possa frequentar de fato é uma classe média para alta. O que fazer então? Continuar sendo ético  ou comprar carteirinha de estudante, mesmo que não se estude, para pagar um valor razoável no ingresso? Pode até parecer um paradoxo ter escrito todo esse texto sobre ética, e na hora dizer que é justo possuir uma carteirinha. Explico.
No direito temos a lei maior, que é a constituição (que ainda vale alguma coisa, mas parece estar em vias de não valer nada), e todas as outras leis devem ser baseadas nela. Parafraseando, a "constituição" é alguém mais poderoso, um dono de cinema, dando como exemplo. Já os consumidores são as "leis mais baixas", não tem tanto poder assim. Ora, o que fazer então, quando alguém mais poderoso é antiético, e cobra valores absurdos? Nesse caso, comprar a carteirinha é se adaptar à "constituição", o que torna essa ação justa.
Ou seja, é a inversão da ética: ser antiético porque alguém foi mais do que você. Talvez essa seja a realidade do Brasil, onde as pessoas, para sobreviverem, são antiéticas, mas justamente porque outras, mais poderosas que elas, assim o foram. Isso vira um círculo vicioso, e até entendo essas pessoas que assim agem. Mas que tal quebrarmos a corrente? Pois uma vez que se faz algo errado e ele dá certo, a vontade é sempre de fazer de novo. Vamos inverter essa lógica?

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